Lideranças políticas, cientistas, ativistas, empresários e diplomatas estiveram reunidos em Glasgow, na Escócia, de 31 de outubro a 12 de novembro, para a 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP26).

Esse é um dos espaços mais relevantes para negociações multilaterais sobre compromissos assumidos para o combate às mudanças do clima, centralmente aqueles estabelecidos no âmbito do Acordo de Paris. Havia grande expectativa quanto a edição desse ano devido à urgência para o combate ao aquecimento global e por ser um dos maiores eventos internacionais desde o início da pandemia

Nesse artigo, apresentamos os principais compromissos assumidos pelas partes, os pontos mais relevantes do documento final e destacamos alguns aspectos e as contribuições da participação brasileira nessa discussão.

Compromissos assumidos

Novas metas de redução de emissões: Os Estados Unidos aumentaram de 26% para 50% sua meta de redução de gases estufa até 2030; a União Europeia de 28% para 55%, o Reino Unido de 68% para 78% e o Brasil de 43% para 50%. A Índia anunciou uma meta de emissões líquidas zero, prometendo a neutralidade de carbono até 2070. Há uma resistência de aumento de ambição da China, Arábia Saudita e Rússia que são grandes emissores e cujas economias estão ancoradas nas energias fósseis.

Fósseis: Pelo menos 20 países concordaram em encerrar o financiamento para projetos de combustíveis fósseis no exterior.

Aço: Mais de 40 países, incluindo Reino Unido, Estados Unidos, Índia e China, bem como a União Europeia, apoiaram o primeiro compromisso internacional de atingir uma produção de aço com emissão “quase zero” até 2030.

Veículos: Mais de 30 representantes de países, 40 cidades e estados, além de dezenas de empresas e associação ligadas à indústria automobilística se comprometeram a acelerar a transição para veículos sem emissões de carbono.

Carvão: 77 países se comprometeram a acabar com o uso do carvão. China, Índia e Estados Unidos não aderiram ao compromisso.

Desmatamento: Mais de 100 países, incluindo o Brasil, assinaram declaração de comprometimento com ações coletivas para deter e reverter a perda florestal e a degradação do solo até 2030. O acordo político, costurado pelo governo britânico, também foi assinado por EUA, China e União Europeia. Serão destinados cerca de US$ 12 bilhões de recursos públicos para proteção e restauração, além de US$ 7,2 bilhões de investimento privado.

O setor privado também se comprometeu em investir R$ 17 bilhões em recursos para a iniciativa Finanças Inovadoras para a Amazônia, Cerrado e Chaco (IFACC, na sigla em inglês), para a promoção da produção de soja e gado sem desmatamento na América Latina.

Metano: Cerca de 100 nações assinaram uma promessa global de redução das emissões de metano em 30% até 2030. O metano é gerado principalmente por aterros sanitários e pela produção agropecuária. Por causa dessa relação, o Brasil inicialmente apresentou resistências, mas aderiu a meta.

Oceanos: Líderes políticos defenderam o estabelecimento de uma nova meta global para proteger 30% das águas marinhas até 2030. Além disso, sugeriram a formulação de um novo tratado para conservar e proteger a biodiversidade marinha.

Amazônia: O governo britânico anunciou investimento equivalente a quase R$ 19 milhões. O serviço de meteorologia do Reino Unido vai trabalhar em parceria com o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia em um experimento climático, no qual volumes controlados de CO2 serão liberados em pequenas áreas florestais para simular respostas às mudanças futuras.

Governadores: O grupo de Governadores pelo Clima se reuniu com o príncipe Charles para tratar de arrecadações de fundos para iniciativas ambientais nos estados. Os governadores Renato Casagrande (PSB/ES), Eduardo Leite (PSDB/RS) e Mauro Mendes (DEM/MT) lideraram as conversas. Também estavam presentes representantes de governos do Pará, São Paulo e Minas Gerais.

Setor Financeiro: Bancos, seguradoras, fundos de pensão, gestores de dinheiro e outras firmas financeiras com US$ 130 trilhões em ativos se inscreveram para enfrentar a crise climática. As mais de 450 empresas em 45 países que assinaram a Glasgow Financial Alliance for Net Zero (GFANZ) controlam mais de 40% dos ativos bancários globais. A estimativa é de que a aliança pode fornecer US$ 100 trilhões em financiamento nas próximas três décadas.

Acordo final de Glasgow

Após as duas semanas de negociação e disputas em diversas frentes, as 197 partes adotaram o acordo climático de Glasgow. Apesar das objeções que perduraram até o final dos debates, os negociadores renunciaram a determinadas reivindicações para alcançar o acordo final. O documento foi descrito como o “acordo possível”.

Manteve-se a intenção de limitar o aquecimento do planeta em 1,5° C e houve avanços com o compromisso para revisar as metas de redução das emissões de gases-estufa e regulamentar o mercado internacional de carbono. Contudo, o progresso foi tímido quanto a proposta de financiamento climático para as nações em desenvolvimento, um dos principais objetivos da conferência.

Entre os principais itens do texto, vale destacar:

Livro de Regras do Acordo de Paris: Foram definidos os mecanismos de transparência e as balizas temporais que serão utilizados para a revisão dos marcos climáticos propostos pelos países. Também foram acordadas as normas sobre o mercado mundial de carbono, abordado pelo Artigo 6. Será aplicada a regra dos ajustes correspondentes nos compromissos climáticos de compradores e vendedores e, portanto, os países terão de abater o crédito vendido de sua meta de redução de emissões, evitando assim a chamada dupla contagem.

A antiga demanda do Brasil para que os créditos do Protocolo de Kyoto fossem transportados para o novo sistema foi atendida. Foi estabelecida uma linha de corte e apenas projetos datados depois de 2013 serão considerados.

Metas: O acordo solicita às partes que compareçam à COP27 no próximo ano no Egito com planos atualizados sobre como reduzir as emissões de gases de efeito estufa até 2030. A ideia é que os países apresentem seus compromissos nacionais de cortes de emissão e aumentem sua ambição com mais regularidade.

A finalização do Livro de Regras e a exigência para que as nações apresentem já no próximo ano novos compromissos de redução de gases do efeito estufa também são pontos considerados positivos do acordo.

Financiamento: O Pacto de Glasgow lamenta que a promessa de nações desenvolvidas para destinar US$ 100 bilhões anuais para os esforços de redução das emissões de países em desenvolvimento não tenha sido atingida e apenas pede que as nações cumpram o compromisso com urgência até o ano de 2025. O Brasil foi uma das principais vozes nos apelos por mais verbas dos países desenvolvidos.

Combustíveis fósseis: O texto inclui menção sem precedentes ao papel dos combustíveis fósseis na crise climática. O acordo exige a redução gradual do uso do carvão e dos subsídios ineficientes aos combustíveis fósseis.  Contudo, após objeções feitas pela Índia e pelo Irã, a linguagem em torno dos combustíveis fósseis foi atenuada e o acordo passou a se referir a uma “redução” do carvão, em vez de uma “eliminação”. Apesar da mudança ter sido recebida com críticas por especialistas, ativistas e outras nações, o fato dos combustíveis fosseis terem sido expressamente citados já é visto como um avanço histórico.

Perdas e Danos: O texto determina criação de um “diálogo” para discutir o estabelecimento de financiamento. A proposta de criação de um fundo para arcar com danos e destruição que a crise climática traz aos países mais afetados não avançou.

Os Especialistas concordam que houve progressos importantes, mas ainda insuficientes para limitar o aquecimento do planeta em 1,5° C.

A Participação do Brasil

O país é o 6º maior emissor de Gases de Efeito Estufa (GEE) e chegou à Conferência com alta nos índices de desmatamento e baixa na credibilidade internacional. No ranking dos países que mais agravaram o aquecimento global em 2020, o Brasil aparece em quinto lugar, atrás apenas de China, Estados Unidos, Rússia e Índia.

Em contraste com a visão adotada na última COP, a Brasil sinalizou disposição em cooperar e, sobretudo, maior engajamento em resgatar a credibilidade internacional e o capital político prejudicados nos últimos anos. Entretanto, a recuperação efetiva da reputação do país na área ambiental dependerá de ações concretas para a implementação das metas assumidas.

Cerca de 100 pessoas integraram a delegação que representou Brasil na COP. Chefiada pelo Ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, a delegação incluiu 13 governadores, os ministros Bento Albuquerque, de Minas e Energia, e Fábio Faria, das Comunicações, além do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto.

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que não compareceu ao evento, enviou um breve vídeo, que foi transmitido no Pavilhão Brasil. Em seu discurso, Bolsonaro reitera que o Brasil é uma potência verde, que faz parte da solução para a crise climática. O presidente mencionou o lançamento do Programa Nacional de Crescimento Verde e destacou que o país tem linhas de crédito para projetos verdes que podem consolidar o Brasil como a maior economia verde do mundo.

A abertura da participação brasileira na COP26 foi conduzida pelo Ministro Joaquim Leite, que anunciou uma nova meta de redução de emissões de gases de efeito estufa: de 43% para 50% até 2030. A autoridade também oficializou a meta de neutralidade climática até 2050, anunciada pelo presidente Jair Bolsonaro na Cúpula da Terra, em abril.

Entre as medidas elencadas para ara atingir a meta de 50% de redução de emissões até 2030, estão:

  • Zerar o desmatamento ilegal até 2028: 15% por ano até 2024, 40% em 2025 e 2026, e 50% em 2027, comparando com o ano de 2022;
  • Restaurar e reflorestar 18 milhões de hectares de florestas até 2030;
  • Alcançar, em 2030, a participação de 45% a 50% das energias renováveis na composição da matriz energética;
  • Recuperar 30 milhões de hectares de pastagens degradadas;
  • Incentivar a ampliação da malha ferroviária.
  • Para tentar reduzir o desgaste de imagem no exterior, o governo federal também estuda antecipar para 2027 ou 2028 a meta para o fim do desmatamento, hoje estipulada para 2030.

O Brasil era pressionado por ter sido um dos únicos países do G20 a apresentar metas de aumento de emissões ao invés de redução devido revisão na base de cálculos. O anúncio da nova meta tenta blindar o país contra críticas por aumentar suas emissões, mas há ressalvas de especialistas sobre a ambição da proposta, especialmente quanto a base de cálculo e a redução real das emissões para a década.

Ao longo da primeira semana, foram realizadas negociações técnicas e, no caso do Brasil, a atuação foi focada na apresentação casos de sucesso.

No Espaço Brasil, em Brasília, o Ministro da Justiça e Segurança Pública, Anderson Torres, apresentou os resultados da Operação Guardiões do Bioma, que fiscaliza incêndios florestais.

O Ministro da Economia, Paulo Guedes, defendeu que países ricos financiem nações em desenvolvimento, como o Brasil, por serviços ambientais. Uma alternativa, segundo Guedes, seria a precificação do mercado de carbono. Guedes defende a criação do mercado de carbono como peça-chave para o pagamento dos serviços ambientais e da preservação do estoque de recursos naturais.

Já a Ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Tereza Cristina, destacou as metas já alcançadas e as novas metas estabelecidas pelo Plano de Agricultura de Baixa Emissão de Carbono, chamado de Plano ABC+.

O Ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, anunciou que o Brasil terá 50% da matriz energética limpa até 2030. O Ministro citou os programas RenovaBio e Combustível do Futuro como exemplos de medidas para a transição energética do Brasil.

O Ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, falou sobre as ações para preservar e revitalizar as bacias hidrográficas do país e destacou o programa Águas Brasileiras, que conta com o apoio do setor produtivo rural.

O ministro de Ciência, Tecnologia e Inovações, Marcos Pontes, tratou do Programa Nacional de Crescimento Verde, destacando as soluções de nanotecnologia e a biotecnologia.

O vice-presidente da República, Hamilton Mourão, elencou melhorias em portos e hidrovias como medidas prioritárias para o crescimento socioeconômico da Amazônia.

Foram destacadas, ainda, o Código Florestal, o projeto Siderurgia Sustentável, o Floresta+, ecoturismo e logística reversa.

Congresso Nacional

O Congresso Nacional também foi representado em Glasgow, com comitiva de deputados e senadores. Dentre eles, estava o Presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, que reconheceu que o Brasil tem um problema grave de desmatamento ilegal e afirmou que o Congresso irá fiscalizar os compromissos que foram assumidos na COP 26. Pacheco também cobrou apoio dos países mais ricos às nações em desenvolvimento.

Ademais, o parlamento brasileiro avançou na análise de proposições legislativas que tratam de clima. No Senado Federal, o Plenário aprovou o PL 6539/2019 que adapta a Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC) ao Acordo de Paris. A matéria, relatada pelo senador Jaques Wagner (PT/BA), estabelece que o Brasil irá neutralizar 100% das suas emissões de gases de efeito estufa (GEE) até o ano de 2050, e indica valores absolutos para as reduções de emissões por meio de planos setoriais de mitigação e adaptação.

O Senado também aprovou o PL 1539/2021, de autoria da Senadora Katia Abreu (PP/TO), que altera a Política Nacional sobre Mudança do Clima e prevê a antecipação da meta climática brasileira. O texto determina o compromisso de redução de 43% das emissões de gases de efeito estufa até 2025. Ambos aguardam apreciação da Câmara dos Deputados.

A Câmara, por sua vez, teve como protagonista na pauta ambiental o PL 528/2021, de autoria do deputado Marcelo Ramos (PL/AM), que regulamenta o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões. O autor, setores da indústria e o presidente da Casa, deputado Arthur Lira (PP/AL) defenderam publicamente a aprovação do projeto antes do término da COP26.

Apesar de não ser consenso entre os parlamentares, foi aprovada a urgência para sua análise e a expectativa era que o Plenário da Casa deliberasse o parecer favorável da relatora, deputada Carla Zambelli (PSL/SP). O projeto, porém, foi apensado a outro e, apesar de forte articulação do autor, não encontrou espaço para avançar durante a COP. A matéria segue na pauta do Plenário da Casa e pode ser deliberada nas próximas semanas.

Artigo atualizado em 01/12/2021.

Elaborado pela Equipe da Umbelino Lôbo: Gabriela Barbagalo, Jéssica Coneza e Stelle Souza.

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