Nos últimos 20 anos, vivenciamos um contexto no qual os recursos tecnológicos estão cada vez mais presentes no cotidiano das pessoas. Esse fenômeno produz e coloca em evidência algumas questões sociais, políticas, econômicas e culturais. Dentre elas, estão as reflexões sobre como esse processo de digitalização da existência humana se desdobra e informa os debates relacionados as formas de participação no regime democrático.
Podemos pensar essa questão a partir de conceitos e parâmetros propostos pelo Neoinstitucionalismo, uma corrente de pensamento da área da Ciência Política. Ele compreende as instituições com sendo, de modo geral, os entes – políticos, físicos ou não- que influenciam e moldam os padrões de comportamento de uma sociedade ao mesmo tempo que são influenciados e legitimados por esse ecossistema. De acordo com essa perspectiva, a Constituição Federal é um exemplo de instituição para os Neoinstitucionalistas.
Assim, as instituições democráticas influenciam os padrões de comportamento de uma sociedade a partir de seus pilares de participação, inclusão, accountability e representação. De mesmo modo, o processo de constituição dessas instituições também é influenciado pela sociedade, sua cultura, sua realidade e a forma com a qual se relaciona com os demais atores. Nesse contexto, a incorporação tecnológica por parte das instituições democráticas pode ser compreendia como parte de um processo mais amplo de digitalização dos fluxos informacionais na sociedade com um todo.
Diante disso, surgiram os debates em torno do conceito de E-Democracia, atualmente constituídos por questões estruturadas a partir de dois eixos. O primeiro considera o acesso on-line um processo de digitalização da democracia no qual as instituições democráticas são replicadas ou até substituídas no meio digital. O segundo eixo enxerga essas instituições digitais como um suplemento, um reforço ou até uma forma de correção de limites da democracia. Como iniciativas que embasam esses estudos podemos citar as reuniões de consultas e audiências públicas transmitidas pela internet e as plataformas que recebem e compilam sugestões dos cidadãos para o poder público.
Nesse sentido, o processo de digitalização da democracia também proporciona uma digitalização da participação, promovendo novos espaços para a sociedade civil se envolver na tomada de decisões. Um exemplo é o projeto e-Democracia, página eletrônica desenvolvida pela Câmara dos Deputados, que constitui um espaço para acompanhamento, contribuições e fiscalização do trabalho parlamentar. Desse processo, é possível identificar a estruturação de um debate em torno de outro conceito, o de E-Participação, que possui duas linhas. A primeira considera a digitalização da participação uma oportunidade de reduzir os custos e de proporcionar maior inclusão. Já a segunda propõe reflexões sobre as assimetrias que esse processo cria em virtude da desigualdade de acesso ao mundo digital, tanto por questões materiais quanto de letramento.
Outro desdobramento que podemos identificar com a incorporação dos recursos tecnológicos nos processos e instituições democráticas foi a criação de um novo espaço para construção e veiculação da opinião pública. Como essa é uma das variáveis que constituem o processo decisório, ela é também considerada como uma forma de participação. Assim, outra vertente do debate envolvendo a E-Democracia e a E-Participação empreende esforços para compreender como essa massa de informação que está se formando nos meios digitais pautam as decisões das instituições democráticas e formam comportamentos.
A definição de opinião pública envolve um debate complexo, uma vez que conjuga um termo de caráter privado – opinião – com outro de caráter coletivo – público. Assim, a partir da reflexão e da compreensão das suas características, o próximo artigo dessa série contextualizará e apresentará as discussões em torno das possibilidades de participação proporcionada pelo meio digital e seus desdobramentos políticos.
Artigo elaborado pela Fernanda Arraes, estagiária da Umbelino Lôbo, em fevereiro de 2023.