DEMOCRACIA E PARTICIPAÇÃO: O além do voto e o votar consciente

Vivemos um momento histórico no qual o regime democrático é amplamente criticado e questionado devido à um contexto de instabilidades políticas, sociais e econômicas. A democracia realmente não é a forma de governo ideal, mas é a melhor já experimentada até hoje, como reconheceu Winston Churchill, ex-primeiro-ministro britânico, em meados da década de 60. De acordo com o estadista, o valor da democracia está na sua adaptabilidade ao contexto socioeconômico e constante busca pelo equilíbrio dos poderes, proporcionando abertura para participação e demandas da sociedade e uma condução não arbitrária.

A democracia surgiu na Grécia Antiga em meados de 560 a.C, nos governos de Clístenes e Péricles, com uma concepção de participação política mais objetiva e “simples”, refletindo a realidade social. Nesse contexto, os cidadãos discutiam e formulavam propostas e tomavam decisões em praça pública, levando em conta a vontade majoritária. No entanto, à época, Atenas era uma sociedade pequena quando comparada com a contemporânea, e discussões sobre direitos individuais e das minorias não existiam dentro do debate político. Desta forma, mesmo sendo uma proposta revolucionário para época e que inspirou modelos contemporâneos no ocidente, a democracia ateniense ainda assim era excludente no pensar política, pois não incluía os escravos, metecos, mulheres e jovens nesse debate.

Com o decorrer do tempo e com o desenvolvimento social e científico, as dinâmicas sociais e políticas ficaram mais complexas e a democracia foi se moldando a esse contexto. Assim, após a modernidade discutir a importância da participação direta vista na Grécia, através de Rousseau; e da divisão dos poderes, através de Locke e Montesquieu, é interessante conhecer como esse debate alcança a fase contemporânea. Ela é caracterizada por um processo de globalização avançado, no qual as ações de um determinado país influenciam vários outros, pelo acesso a informações e desenvolvimento tecnológico acelerado, e pela inclusão e evolução na discussão de pautas relacionadas aos direitos individuais e sociais. Essa transformação social foi incorporada nas reflexões sobra a democracia, ao reconhecer a não existência de uma vontade geral, mas sim vontades individuais, com diferentes realidades e, consequentemente, diferentes necessidades.

Schumpeter surge nessa discussão em meados da década de 40, entre o final da 2ª Grande Guerra e o início da Guerra Fria, reconhecendo a complexidade da sociedade atual e a dificuldade de viabilizar a participação direta, como defendia Rousseau, já que promover espaços que contemplem todas as vontades individuais se tornou mais complexo. Dessa forma, o autor traz aqui a importância do voto, pois guia a política em direção às vontades individuais por meio da escolha de representantes. Ele ainda reforça a importância do sistema representativo, pois, em suas palavras, ‘apenas pessoas que lidam diariamente com a política seriam capazes de tomar as decisões mais eficazes’.

A partir da segunda metade do século XX, as reflexões sobre o regime democrático consideram de forma mais aprofundada o papel da sociedade civil. Assim, Carole Pateman, na década de 70, defende que além de representativa, a democracia é participativa, já que a sociedade civil é um agente importante para limitar os poderes e o principal motor que para as transformações e adaptações desse regime. Assim, ao mesmo tempo que concorda com a utilização do modelo representativo, a autora critica um modelo democrático que limite a participação da sociedade para somente ao voto. Nesse sentido, ela defende que a inclusão e a participação contínua da sociedade civil no processo decisório contribuem para o desenvolvimento de uma consciência política, avaliação crítica e um voto consciente, afastando possíveis frustrações ou mesmo rupturas, como os cenários de golpes. A autora Lünchmann, já em 2012, reforça essa posição ao afirmar que os resultados obtidos em espaços participativos – como assembleias, consultas públicas, orçamento participativo, dentre outros – dependem do engajamento dos atores sociais que atuam em acordo com seus ideais e valores.

A partir de bibliografias atuais que refletem sobre a consciência política, observamos que, para a prática política, compreendida em quaisquer relações dentro da esfera social de poder, indivíduos possuem incentivos sociopsicológicos para participação como: identidade coletiva; crenças, valores e expectativas societais; interesses coletivos e adversários; eficácia política; sentimento de justiça ou injustiça; vontade de agir coletivamente; metas e repertórios de ações. Nesse processo, é discutida a importância do amadurecimento desses incentivos por meio de uma educação participativa, para que não fiquem tão fragilizados e percam a sua potência de limitar o poder, sendo mais facilmente manipulados.

Assim, e tendo em vista a discussão destacada, podemos concluir que a participação é algo intrínseco à democracia e não está limitada ao ato de votar. Desse cenário, surge a necessidade da participação direta em espaços de deliberação pública, de acompanhamento dos trabalhos dos representantes e da educação como ferramenta de amadurecimento da conscientização e participação política. Como consequência, um dos principais agentes do estágio atual da democracia é a sociedade civil que com sua participação direta e indireta garante a estabilidade do regime. Assim, tão importante quanto a participação no processo eleitoral, é a continuidade desse envolvimento, por meio do acompanhando notícias, da participação de instituições deliberativas ou da discussão de projetos em plataformas participativas remotas, como E-Cidadania e E-Democracia. Nas próximas publicações, traremos detalhes sobre as plataformas digitais de participação, que fazem parte da discussão sobre democracia digital situada era contemporânea de desenvolvimento tecnológico acelerado e de acesso mais fácil e por vezes instantâneo às informações.

Artigo elaborado pela Fernanda Arraes, estagiária da Umbelino Lôbo, em Janeiro de 2023.

Principais referências bibliográficas:

Participação e Teoria Democrática – Carole Pateman. (link)

A participação em questão: ponto ou contraponto da representação na teoria democrática? – Regina Laisner

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